Família ainda pode recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Jovem foi encontrado morto em 2014 após confusão em boate. Os seguranças Aroldo Brandão Júnior e Adelino Batista da Silva foram condenados em agosto do ano ado. Tribunal do Júri ficou lotado para julgamento do caso Matheus Goldoni
Caroline Delgado/G1
Nesta quarta-feira (16), os desembargadores da 4ª Câmara do Tribunal de Justiça de Minas confirmaram que o julgamento da morte Matheus Goldoni, em agosto de 2019, será cassado e os seguranças Aroldo Brandão Júnior e Adelino Batista da Silva serão submetidos à um novo júri, ainda sem data. A decisão cabe recurso do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A cassação do julgamento foi anunciada há uma semana atrás em decisão parcial publicada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e confirmada em documento publicado nesta quarta-feira. O relator foi o desembargador Júlio Cezar Guttierrez.
A medida ocorre após Guttierrez considerar que a condenação dos seguranças foi feita "unicamente em suposições de que eles possam ter matado a vítima, e não em evidências de autoria produzidas ao longo da instrução criminal".
O julgamento durou três dias e foi o júri popular com maior duração da história de Juiz de Fora. Foram ouvidas cerca de 20 testemunhas, além dos quatro acusados na época. Apesar dos inúmeros depoimentos, no entendimento do desembargador, não foram produzidas provas ou evidências que Aroldo e Adelino cometeram o crime.
'Julgamento arbitrário'
Caso Goldoni: após prestar depoimento na quarta, perita que trabalhou no caso pediu para falar novamente ao Tribunal do Júri em Juiz de Fora
Bárbara Guimarães/G1
A apelação criminal para um novo julgamento dos seguranças foi feita pelo advogado Ricardo Fortuna. Nos argumentos apresentados, a defesa afirmou que a condenação foi embasada exclusivamente em suposições, sem prova sequer indireta da autoria, o que é considerado contrária à prova dos autos.
Na decisão, o desembargador relator aceitou este argumento, e considerou que ocorreu um "julgamento arbitrário" .
"Conquanto seja certo que os jurados votam os quesitos soberanamente, de acordo com a sua própria consciência, na avaliação subjetiva que fazem dos debates e das provas apresentadas, para que seja legítima a decisão deve se filiar à versão contida nas provas dos autos, e não em uma criação mental deles acerca do que pode ter acontecido naquela fatídica noite após os seguranças, ora apelantes, saírem em perseguição à vítima", afirmou Júlio Cezar Guttierrez.
Ao G1, o advogado Ricardo Fortuna avaliou que a decisão era esperada e que a defesa sempre acreditou na Justiça.
"O resultado do último julgamento se traduziu num dos maiores absurdos já vistos no Judiciário da Comarca. O clamor público plantado não poderia mesmo sobrepor à prova dos autos. A sociedade de Juiz de Fora, assim como todas as partes envolvidas, jurados, Ministério Público, advogados de acusação e de defesa, mereciam um novo júri. Isso vai fazer bem a todos, eu tenho a convicção pessoal de que o resultado não pacificou o espírito de ninguém, porque afinal todos buscam o mesmo ideal, que é a justiça", afirmou o representante dos réus.
A reportagem também entrou em contato com o advogado da família Goldoni, Wagner Valssis, para saber se irão recorrer da decisão na instância superior, mas não obteve retorno até a última atualização desta matéria.
Júri em 2019
Caso Matheus Goldoni: Jurados visitam local em que jovem foi encontrado morto em Juiz de Fora
Barbara Guimarães/G1
O julgamento ocorreu em agosto no ano ado. Na ocasião, o Conselho de Sentença informou que, os réus Fabrício Teixeira da Silva, Adelino Batista da Silva, Aroldo Brandão Júnior foram condenados por homicídio por motivo fútil.
O gerente da boate, Fabrício Teixeira da Silva, foi condenado a dois anos em regime aberto, com prestação de serviços comunitários. Adelino e Aroldo, os seguranças apontados como executores, foram condenados a 18 anos em regime fechado.
O quarto réu Marco Aurélio de Oliveira foi absolvido porque os jurados consideraram que a ação dele não foi determinante para a morte de Goldoni.
A decisão no Conselho de Sentença foi por 4 votos a 3 e coube recurso em segunda instância e os réus recorrem em liberdade.
Quatro dias de julgamento
No primeiro dia, os integrantes do júri foram encaminhados até a Boate Privilège, por decisão do juiz Paulo Tristão para que eles conheçam o espaço onde Matheus foi visto pela última vez antes de desaparecer.
Na Estrada Engenheiro Gentil Forn, os jurados também desceram a trilha na mata que leva ao local onde o corpo do jovem foi encontrado. A imprensa não teve autorização para acompanhar. À tarde, ouviram depoimentos.
Já no segundo dia, foram concluídos os depoimentos das 15 testemunhas. Os mais demorados foram os relatos do sócio da boate, Otávio Souza Fagundes, que falou por quase três horas e do titular da Delegacia de Homicídios de Juiz de Fora, Rodrigo Rolli, que por quase duas horas, falou sobre as investigações do caso que comandou de novembro de 2014 a setembro de 2015.
No terceiro dia, a primeira testemunha a ser ouvida foi a perita da Polícia Civil (PC), Soraya Araújo, ainda no início da manhã. Ela já havia prestado depoimento na terça-feira, mas solicitou ao juiz a prestação de novo depoimento, a fim de esclarecer questões que pudessem ter ficado pendentes.
Em seguida, cada um dos quatro réus prestou depoimento por aproximadamente uma hora e meia cada, fazendo que o julgamento se estendesse durante todo o dia. Na noite, foi iniciada a fase de debate, quando o Ministério Público (MP) e acusação ressaltaram as alegações sobre a causa da morte de Matheus.
Após a intervenção, foi a vez dos advogados de defesa dos réus se pronunciarem. Eles alegaram aos jurados inconsistências nas informações constantes no processo. O MP realizou a réplica e defesa ainda teve direito à tréplica, momento em que o julgamento foi interrompido, pois um dos jurados ou mal.
Após os debates entre defesa e acusação, um dos jurados ou mal e a sessão foi interrompida no início da madrugada. O julgamento recomeçou após às 9h30, a defesa concluiu a tréplica, o juiz Paulo Tristão leu as alegações e às 10h03 os sete jurados se retiraram do plenário para decidir o caso. A partir de 11h18, o juiz Paulo Tristão iniciou as considerações finais e pronunciou a sentença por volta de 11h50 e, em seguida, as respectivas penas. O julgamento foi encerrado pouco depois de 12h.
Matheus morreu em 2014
Matheus Goldoni e a mãe
Nivia Goldoni/Arquivo Pessoal
Matheus Goldoni tinha 18 anos quando desapareceu e o corpo foi encontrado três dias depois, em uma mata no Bairro Vale do Ipê. Em maio de 2016, 28 testemunhas foram ouvidas durante uma audiência preliminar, no Tribunal do Júri, em Juiz de Fora, para decidir se o caso cumpria ou não os requisitos para ser levado a julgamento popular. Na ocasião, acusação e defesa debateram por mais de 12 horas.
A Polícia Civil trabalhou por um ano e dois meses na investigação do caso. Durante este período, foram ouvidas mais de 48 testemunhas. Entre as versões, estava a de que Matheus e outra pessoa teriam brigado e que ele foi colocado para fora da boate. Durante as investigações, o ex-segurança da casa noturna, que fazia um lanche próximo ao local no momento da confusão, afirmou ter dado carona de moto a um dos seguranças que tentava alcançar o jovem.
O laudo de necropsia do Instituto Médico Legal (IML) confirmou que Goldoni morreu por afogamento causado por asfixia e um exame apontou a existência de duas lesões internas no peito do jovem, causadas por instrumento contundente não perfurante, como soco, chute e paulada, ou devido à própria queda.
Além disso, outro laudo descartou que a vítima tivesse ingerido álcool ou drogas no dia em que sumiu da boate, o que reforçou a hipótese de assassinato e afastou a de que tivesse acontecido um acidente.
No inquérito da Polícia Civil, que foi concluído em setembro de 2015, além dos indiciados por homicídio duplamente qualificado, um flanelinha também foi acusado de falso testemunho. Duas pessoas reconheceram o rapaz e disseram que ele estava perto do local do crime, mas o acusado negou o fato durante toda a investigação.
O Ministério Público (MP) recebeu o inquérito e o devolveu solicitando a reconstituição, que foi realizada em duas fases, entre novembro de 2015 e janeiro de 2016.