Iniciativa gratuita é realizada por alunas e professores de psicologia da Faculdade Machado Sobrinho. Segundo o Sindicato de Transportes Coletivo (Sinttro), cerca de 30 rodoviários estão afastados do trabalho atualmente por problemas de saúde mental durante a pandemia. Imagem de arquivo mostra ônibus em Juiz de Fora
Bruno Ribeiro/G1
Durante todo este período de pandemia de Covid-19, muitas pessoas tiveram a rotina de trabalho alterada. Empresas implantaram a modalidade home office, outras fecharam as portas ou tiveram o horário de funcionamento reduzido.
No setor do transporte público, serviço considerado essencial, a mudança na forma de trabalhar não foi possível. Para muitos destes trabalhadores, a pandemia trouxe medo e angústia. Prova disso é que de acordo com o secretário-geral do Sindicato de Transportes Coletivo (Sinttro), André Krolman, cerca de 100 trabalhadores estão afastados das respectivas funções em Juiz de Fora. Deste total, 30 são por problemas psicológicos.
Para prestar apoio a esses profissionais, professores e estudantes do curso de psicologia da Faculdade Machado Sobrinho criaram o projeto "Cuidar de quem Transporta", que realiza atendimento psicológico aos trabalhadores do transporte, em todas as áreas.
Segundo a acadêmica do 10º período do curso, Carla Calábria, a ideia surgiu de alunos que estavam no último ano do curso que, embora tenham escolhido o campo da Psicologia do Trânsito para estagiarem presencialmente, precisaram buscar por alternativas possíveis de atuação remota em razão das limitações impostas pelo cenário trazido pela pandemia da Covid-19.
"Desde o início da pandemia até o momento os campos de estágios presenciais na área de Psicologia do Trânsito estão bastante reduzidos, quando não impedidos. Deste modo, as alunas interessadas no campo inspiraram-se em projetos já existentes, criados durante o período em que a pandemia se instaurou e voltados para esse cenário", explicou.
"Os profissionais envolvidos no setor de transporte, em especial os que lidam diretamente com o ambiente do trânsito, estão sujeitos a um ambiente estressor podendo assim desenvolver stress, mau humor, irritação, cansaço, mal estar, ansiedade, desanimo, angústia, dentre outros", afirmou a acadêmica.
A saúde mental dos trabalhadores
Imagem de arquivo que ilustra saúde mental do trabalhador
G1
Entre as reclamações recebidas pelo sindicato, André cita a carga horária exaustiva e a estrutura dos ônibus, que não am por manutenção periódica, além da falta de segurança em determinados bairros e no trânsito.
"Na parte física, a rotina de trabalho pode afetar os nervos, a coluna e a postura em geral visto que a jornada de trabalho é grande e eles ficam a maior parte do tempo sentados. Já no âmbito mental, a maioria dos relatos dizem respeito à cobrança dos usuários, o trânsito caótico e o regulamento interno das próprias empresas", citou André.
O secretário ainda faz um desabafo e afirma que é muito difícil lidar com a situação.
" Eu, como motorista há 22 anos, sei que o trabalhador que não estiver bem psicologicamente para dirigir, não tem como transportar ageiro. E isso pode acarretar várias situações de risco. Nesses casos, tem que haver um apoio psicológico, com acompanhamento e até uso de medicamentos em determinados casos".
Quando questionado pela reportagem se há apoio das empresas de ônibus ou de algum órgão, André citou o Serviço Social do Transporte e Serviço Nacional de Aprendizagem no Transporte (Sest/Senat) que tem um espaço de lazer com piscinas e quadras de esporte, além da oferta de cursos.
O Sest/Senac também atua no cuidado com a saúde e com o bem-estar dos trabalhadores do transporte e dos dependentes. A meta do serviço é garantir a saúde desses profissionais, já que é a chave para garantir um transporte mais eficiente, seguro e com mais qualidade.
O acolhimento do projeto "Cuidar de quem Transporta" e do Sest/Senat, segundo o representante do Sinttro, são muito importantes.
Ele ainda acrescenta que os trabalhadores do ramo "quase não têm tempo para descansar já que as escalas de trabalho podem ocorrer durante os finais de semana e feriados, por exemplo".
Psicóloga faz alerta
Maristela Botega é psicóloga em Juiz de Fora
Maristela Botega/Arquivo Pessoal
Em entrevista ao G1, a psicóloga do trânsito e professora universitária, Maristela Botega, afirmou que a situação da pandemia aliada aos riscos de contrair o coronavírus trouxe alterações psicológicas que não podem ser ignoradas e podem se tornar um problema sério para o trabalhador.
"Pensando em trabalhos onde há a "situação de risco", como é o caso de motoristas, cobradores, auxiliares de viagens, entre outros, a questão pode se agravar. Isso porque alguns processos mentais como reflexos, raciocínio, atenção e percepção podem ser alterados. Isso ocorre porque há uma tensão que promove uma situação de estresse, sendo este um fator de risco psicossocial para os trabalhadores desta categoria profissional," explicou.
Entre as maiores queixas apresentadas pelos profissionais atendidos pelo projeto @cuidardequemtransporta, tem sido observado que a pandemia trouxe novos elementos que afetam a saúde mental do trabalhador, como, por exemplo, alterações de humor, sentimento de medo, preocupações excessivas, desânimo e ansiedade.
Diante disso, ela reforçou a importância de se ter um acompanhamento psicológico.
" Um trabalhador que atua em um ambiente de risco, como é o caso do trânsito, deve estar em ótimas condições de saúde física, mental e emocional para poder atuar de forma harmônica e conseguir evitar acidentes. O trânsito é um ambiente de risco e desgastante. Um trabalhador está mais propenso a acidentes quando está psicologicamente abalado. Daí a importância de cuidar deste profissional, oferecendo-lhe a oportunidade de um bem-estar e consequentemente melhor qualidade de vida no trabalho", explicou a psicóloga.
Sobre as orientações para os profissionais que sofrem com problemas psicológicos causados pelo trabalho, elaafirmou que estas pessoas devem buscar ajuda de profissionais da psicologia, porque são os psicólogos e psicólogas que estão tecnicamente preparados para auxiliá-los através da escuta e acolhimento.
"Poder compartilhar uma angústia, uma ansiedade ou um medo com um profissional certamente promoverá um bem-estar que será refletido de forma positiva no dia a dia de trabalho e nas relações interpessoais. Para tanto existem opções, como é o caso do projeto, que oferece o atendimento gratuito, finalizou.
Os interessados em agendar atendimento devem preencher um formulário on-line. As inscrições para os atendimentos estão abertas e há vagas disponíveis.
Os atendimentos ocorrem de maneira on-line, por conta das medidas de segurança e prevenção à Covid-19, e sem nenhuma despesa para empresas de transporte ou funcionários do setor.
Ansal
O G1 procurou também as empresas de ônibus. Até a última atualização desta matéria, somente a Ansal havia respondido. Veja abaixo.
"Acreditamos que o primeiro o para zelar pelo bem estar dos nossos colaboradores é manter um diálogo próximo e aberto, oferecendo condições propícias ao trabalho e ambiente confortável para o desempenho de suas funções.
Temos implementada uma cultura de aberta escuta, oferecendo espaço para conversas com a liderança. E tão importante quanto, acreditamos que o ambiente também influencia. Um exemplo recente de ação nesse sentido foi a alteração de local do nosso principal ponto de apoio, em que temos o fluxo diário de nosso quadro de motoristas e cobradores, no bairro Manoel Honório. A mudança foi realizada em maio deste ano e muito bem recebida pela equipe. O espaço novo é moderno e conta com o conforto merecido pelos colaboradores para o contato diário com a liderança, além de poderem realizar suas refeições e descansos ao longo do dia de trabalho.
Além disso buscamos promover diversas ações voltadas para os cuidados com a saúde. Por exemplo, recentemente no mês de julho tivemos campanha em conjunto com o SEST/SENAT de promoção da saúde com aferição de glicose, peso e colesterol, promoção de cuidados pessoais em parceria com o Instituto Embelleze, promovendo dias para corte de cabelo e barba, além de ginástica laboral para colaboradores das nossas garagens.
Não menos importante que as ações constantes em prol da saúde, quando um colaborador apresenta alguma necessidade de acompanhamento psicológico, as lideranças o encaminham, em apoio ao RH, para atendimento e acompanhamento com os psicólogos do parceiro SEST/SENAT, para que possa ter o cuidado pessoal necessitado".
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